sábado, 1 de setembro de 2012

As Aulas de Xadrez e o Pensamento Crítico

Amigos,

     Nas minhas aulas de xadrez eu procuro, além da pura técnica, instigar os meus alunos a pensar e repensar, a criticar, enfim, em tentar enxergar sob um ângulo diferente as coisas do nosso dia-a-dia.

     Em meio a uma das minhas aulas, a aluna, muito crítica, que não cansava de me questionar (toda hora era "por quê isso", "por quê aquilo"), saiu uma comparação interessante, vinda de duas imagens.

     Na primeira, observamos a foto de uma empresa de telemarketing, onde os funcionários se acotovelam , lado a lado (um ex-colega comparava com um galinheiro), sempre de olho na telinha do monitor. Imediatamente me veio a lembrança o filme de Charlie Chaplin , "Tempos Modernos".


     É interessante como essa imagem expressa o momento atual do "Ser Humano", envolto a tecnologia dos computadores, internet, uma das maiores revoluções da história, pois as comunicações se expandiram de forma impensável, revolucionando costumes, culturas, trabalho, lazer, etc.

     Na outra imagem, a mesma "modernidade", a tecnologia de ponta da época, e também o mesmo "Ser Humano", nesta, feito uma engrenagem, a serviço do "bem de consumo".


      Não basta estudar, aprender, saber. O Xadrez é um dos mais valiosos instrumentos da Humanidade, para ensinar a pensar, refletir, analisar, sintetizar e até mesmo, julgar.

     E é essa a reflexão que quero deixar aqui aos meus amigos professores em geral.


sábado, 25 de agosto de 2012

O Arquiteto das Peças de Xadrez

        Caros Amigos,

     Nas últimas férias de julho, conheci um jovem senhor, arquiteto, que confeccionou suas próprias peças de xadrez, há mais de 40 anos, com porcas, parafusos, arruelas etc. 
     Eu tinha resolvido fazer uma pequena aventura, viajar sem destino, e aproveitar para descansar e meditar um pouco. Mas não é que, logo ao chegar na cidade, a procura de um lugar diferente, ouvi o senhor que estava ao meu lado dizendo das águas limpas e dos pássaros que cantarolavam o dia inteiro em sua pousada? Bem, puxei conversa e ele me levou até lá. Me disse que normalmente a pousada é frequentada por casais ou famílias com filhos. 
     A primeira coisa que notei quando chegamos foi um tabuleiro de xadrez, bem antigo e de madeira, encostado perto da televisão. Em seguida já fiz a pergunta, "joga xadrez"?




     O "seu" Ricardo, dono da Pousada "Toca das Maritacas", em Piracaia, São Paulo, pertinho de Bragança Paulista, me contou que gostava muito de xadrez, que aprendera com o pai, com quem jogava frequentemente. Ele lembrou as palavras de seu pai: "Ricardo, pratique o xadrez para exercitar os seus pensamentos, encontrar novos amigos, se divertir". "No xadrez existe alguma coisa mágica que lhe trará bons momentos de inspiração, pois enquanto joga, sua mente trabalha com alguns aspectos do seu inconsciente e o ajudarão a resolver os problemas do cotidiano".   




     Como todo arquiteto recém-formado que quer inventar alguma coisa nova, um estilo novo, pensou no jogo de xadrez. Comprou as ferragens, montou as peças e mandou cromá-las. Com muito orgulho, me mostrou sua criação, guardada com todo carinho.

     Seguiu-se uma longa história. Ele me contou de que um dia, quarenta anos atrás, passeando pelo  centro de São Paulo, encontrou no chão um parafuso e uma porca atarraxados de forma peculiar. Guardou aquelas peças no bolso e continuou caminhando. Em seguida se deparou com uma porta quadriculada em preto e branco de um elevador. Tratava-se do Clube de Xadrez de São Paulo. 
     Resolveu subir, lembrando do velho pai e de seus sábios conselhos com relação ao jogo de xadrez. Se deparou com algumas mesas, uma com um senhor que aguardava um adversário para jogar umas partidas.
     O "seu" Ricardo se aproximou e resolveu arriscar uma partida. Perdeu duas em seguida muito rapidamente, mas ouviu do oponente sobre  as tardes que passava prazerosamente no Clube. 
     Num movimento involuntário, o "seu" Ricardo bateu com a mão no bolso e lembrou daquele parafuso. A ideia foi imediata: confeccionaria um jogo de peças com aquele tipo de material. Agradeceu ao seu adversário, saindo em seguida a procura de uma casa de ferragens.



            Na casa de ferragens, enquanto aguardava o pedido que fizera ao vendedor da loja, deparou-se com um anúncio de jornal indicando um terreno a venda: quem diria, aquele pedaço de terra se transformaria em sua futura pousada!
              E querem mais? Pois não é que a moça que queria vender aquele pedaço de terra seria sua futura esposa? Desde então, o "seu" Ricardo, que não voltou mais ao Clube de Xadrez, nem confeccionou mais peças, apenas deixa embaixo do seu balcão na pousada, duas sacolinhas em couro e tecido, e nelas suas peças de xadrez da sorte. Me confidenciou também que muita gente que por ali passou e que jogou com aquelas peças, acabou voltando inúmeras vezes para conseguir momentos de tranquilidade e inspiração na sua pousada.

      O Xadrez não é só um jogo. É uma sábia invenção humana, que permite apreciarmos em diversas formas de manifestação, artística e cultural, científica. Cabe a nós, amantes do xadrez, darmos a oportunidade de mostrar esse outro lado para as pessoas, para que o jogo-ciência-esporte-arte continue trazendo desafios, sonhos, lazer, cultura. O xadrez é uma ferramenta para todas as idades e todos os gostos, só precisamos despertá-la! 


     Passei boas horas com o "seu" Ricardo. Me contou muito da São Paulo antiga, de seus trabalhos, de seus estudos no Rio de Janeiro, de suas aventuras e, claro, das maritacas que toda manhã o despertavam.

        Como diria o lema do Xadrez Postal Brasileiro: "leva o xadrez, traz o amigo".

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

As Peças Contam Histórias!

Amigos,

Eu recebi um e-mail da Marina, de São Paulo, em setembro passado, perguntando se eu conhecia alguém que restaurasse peças de xadrez. Tratava-se de um jogo antigo, fabricado lá pelo ano de 1957 ... Um jogo de xadrez que tinha pertencido ao avô de seu marido! Indiquei o Dirk Dagobert Van Riemsdiyk, que trabalha confeccionando peças há muitos anos!

Ela me contou diversas histórias acontecidas com aquele jogo:
"A tradição do xadrez já existe na família Rappl há muitas décadas... O bisavô do meu marido veio com a esposa para o Brasil fugidos da revolução russa... diz que era alfaiate de luxo da nobreza russa... com a guerra civil não viram outra saída a não ser fugir da região e optaram em vir para o Brasil... além também de que eram todos judeus... outro fator que ajudou na decisão... tudo isso por volta de 1917, 1918... o bisavô Hermann (dono do jogo de xadrez) nasceu no navio vindo para cá... ele aprendeu a jogar xadrez com seu pai (tataravô do Pedro, meu filho) e ensinou meu sogro este fabuloso jogo... 
Este tabuleiro foi base de ensino, então, do pai do meu sogro, que ensinou meu sogro, meu sogro ensinou meu marido e meu filho também terá oportunidade de jogar utilizando o mesmo jogo de peças ... incrível...
O cheiro da madeira é mágico..."


  


Com o xadrez escolar e o barateamento dos custos de competições com grande quantidade de jogadores, tanto peças como tabuleiros são feitos de plástico. Esta característica da sofisticação da madeira perdeu-se. Só em eventos de alto nível elas ainda são obrigatórias. Uma pena, pois a madeira tem uma magia, uma coisa mais natural, mais humana, mais viva. 

Insinuei à Marina em comprar o jogo. Eis a resposta que eu queria ouvir:
"Desculpe-me, Léo, mas é herança de família e passaremos para as gerações seguintes, com certeza... sem intenção de venda, sem nenhuma dúvida...".

O mundo está tão descompromissado, é difícil as pessoas darem valor as suas próprias histórias, este é um bem incalculável! Meus parabéns, Marina!
"Você não imagina a emoção do momento no qual meu sogro recebeu de volta o jogo, na noite de Natal... suas lágrimas de carinho foram inexplicáveis... não teve palavras para agradecer, apenas chorou e muito... comoveu todos os familiares presentes... além de contar, que foi em uma noite de natal há mais de cinquenta anos atrás, que desembrulhou o mesmo jogo que seu pai (bisavô do meu filho) lhe presenteou após ter recuperado também naquela época...
Agradeço a indicação que ficará registrada pelo resto de nossas vidas... a família Rappl agradece a satisfação de fazer um avô muito feliz..."

 


Eu também tenho minhas histórias com as peças de xadrez ... para começar, uma muito especial. O jogo que ganhei do meu pai, no meu aniversário, em 1978, há 34 anos atrás! Meu pai faleceu pouco mais de 1 ano depois, mas esse presente eu guardo com muito carinho. São as mesmas peças que aparecem em algumas cenas do vídeo "Uma Aventura no Reino do Xadrez". Elas passearam comigo em diversos torneios pelo Brasil. Será que o meu filho saberá dar valor a elas? Bem, este é um dos motivos pelo qual estou contando tudo isso. Pelo mesmo motivo que sensibilizou a Marina.



Depois ganhei um outro jogo de peças, no dia dos namorados, da Silvana, mãe do Pedro, em 1989. 


Finalmente, meu último jogo de peças, comprei em Sófia, por ocasião do Mundial Anand-Topalov. Que recordação única!



Qual deles é o mais valioso para mim? Lógico, todos, pois cada um tem sua história, única, viva, cheia de lembranças! De qualquer forma, tenho um carinho todo especial pelo primeiro, além de ter sido uma recordação do meu pai, estudei muitos livros de xadrez com ele (Bobby Fischer, Smyslov, Capablanca, Alekhine, Tal ...). 

E voce, que histórias vai nos contar? Que histórias vai deixar para os seus filhos?


Ótimo 2012 a todos! Um abraço especial ao meu amigo Dimitar Gogov.