terça-feira, 31 de maio de 2011

Xadrez às Cegas

Para quem pensa que xadrez é um jogo muito difícil, saibam que tem um grupo que sempre participa de torneios, que as pessoas me perguntam, como é que conseguem?
Trata-se dos Deficientes Visuais, uma turma com nenhuma ou pouca visão, que jogam xadrez de igual para igual em torneios.
Várias professoras e psicólogas que sabem que dou aulas para o pessoal deficiente visual da ABASC (Associação Batista de Ação Social de Curitiba) têm me perguntado a respeito. Dizem, “mas como é que você faz? Deve ser bem difícil! Você precisa divulgar e nos mostrar como é que funciona!”
Bem, é bem mais simples do que possa parecer.
Eles têm um tabuleiro especial de xadrez, onde as casa em relevo são as “brancas” e as casas rasas são as “pretas”. As peças são iguais aos demais jogos, com a diferença que as peças pretas têm uma “ponta” (como se fosse uma cabeça de alfinete) em cima delas, que servem para distinguir as cores.
Mostrei a partida entre Morphy e aficcionado, jogada em Nova Orleans, 1858, simultânea (seis partidas) e às cegas. Eles ficaram muito impressionados. Acredito que foi uma motivação extra poder conhecer tão brilhante partida (ver Xadrez Romântico, post de abril).
Outras partidas com sacrifícios e jogadas geniais também faz a alegria desta turma. No xadrez, podemos “sentir” as obras de arte ...

Conversamos bastante durante a aula, questiono-os da mesma forma como qualquer outro aluno (O que vocês fariam aqui? Por quê este lance? Qual o plano? Descubram o xeque-mate em 2 lances! Etc.). Eu vou dizendo os lances, e eles reproduzem sobre o tabuleiro.
São determinados, aplicados, estudiosos, questionadores; e, principalmente, alegres, dispostos, felizes!
No sábado, 21 de maio, quando cheguei para a aula, eles estavam disputando uma partida.

Vejamos:

Everson x Irimar 1.e4 e5 2.Cf3 Cc6 3.Ac4 Cf6 4.Cc3 Ac5 5.d3 0–0 6.Cd5 Cg4 7.0–0 d6 8.h3 Cf6 9.Ag5 h6 10.Axf6 gxf6 11.Ch4 a6 12.Dh5 b5 13.Ce7+ Dxe7 14.Dg6+ Rh8 15.Dxh6+ Rg8 16.Cg6 bxc4 17.Dh8# 1–0



Irmar x Everson


Pretendo filmar uma das próximas aulas para ilustrar melhor como funciona. Por enquanto, fica este brevíssimo relato de exemplo de vida.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Xadrez Romântico

XADREZ ROMÂNTICO

Palestra realizada no Clube de Xadrez de Curitiba
20 de abril de 2011
Dedico o texto à memória de meu pai, Léo, que faria aniversário hoje
E as paixões de minha vida

            O Estilo romântico é o estilo de uma época. O amor romântico é uma expressão que pode soar piegas fora do contexto. Mas, quando se refere ao Romantismo, sugere um amor tão intenso que Alfred Musset, outra personalidade da época, o proclamava uma “lei celeste tão potente e tão incompreensível quanto aquela que ergue o sol no firmamento”.
Um amor tão grande, de fato, que não cabe no mundo. E por isso muitos heróis e heroínas (para não falar dos próprios poetas) românticos morrem de amor, e muito jovens. Ao mesmo tempo, um amor superior a tudo, inclusive aos preconceitos sociais. E que, também por isso, por enfrentar forças poderosas, frequentemente encontra como desfecho a tragédia. Nas tragédias gregas antigas, o embate desigual e impossível de ser vencido contra os deuses torna o protagonista um herói.
            O período era de muitas revoltas populares na Europa, reunindo intelectuais, estudantes, o povo pobre e trabalhadores contra o poder e os privilégios dos abastados. Tendo por base esses episódios, em 1848, Karl Marx escreveria “O Manifesto do Partido Comunista”. De fato, nada mais romântico do que a era das revoluções populares do século XIX. Era típico do Romantismo ser contestador, rebelde ... e até mesmo revolucionário – nosso Castro Alves foi um ardoroso abolicionista e republicano, e Alexandre Dumas Filho militou contra as desigualdades sociais e injustiças praticadas contra mulheres e crianças.
            No Xadrez, é um período marcado pelos ataques espetaculares, combinações brilhantes, e o único objetivo era o xeque-mate.
            Um dos gênios da época, sem nenhuma dúvida, foi Adolf Anderssen. São famosas as suas partidas, “Imortal” e a “Sempreviva”.

Andersen x Kieseritzky (Imortal)
London 'Immortal game' London, 1851
 1.e4 e5 2.f4 exf4 3.Ac4 Dh4+ 4.Rf1 b5 5.Axb5 Cf6 6.Cf3 Dh6 7.d3 Ch5 8.Ch4 Dg5 9.Cf5 c6 10.g4 Cf6 11.Tg1 cxb5 12.h4 Dg6 13.h5 Dg5 14.Df3 Cg8 15.Axf4 Df6 16.Cc3 Ac5 17.Cd5 Dxb2 18.Ad6 Axg1 19.e5 Dxa1+ 20.Re2 Ca6 21.Cxg7+ Rd8 22.Df6+ Cxf6 23.Ae7# 1–0

Andersen x Dufresne (Sempre-Viva)
Berlin 'Evergreen' Berlin, 1852
 1.e4 e5 2.Cf3 Cc6 3.Ac4 Ac5 4.b4 Axb4 5.c3 Aa5 6.d4 exd4 7.0–0 d3 8.Db3 Df6 9.e5 Dg6 10.Te1 Cge7 11.Aa3 b5 12.Dxb5 Tb8 13.Da4 Ab6 14.Cbd2 Ab7 15.Ce4 Df5 16.Axd3 Dh5 17.Cf6+ gxf6 18.exf6 Tg8 19.Tad1 Dxf3 20.Txe7+ Cxe7 21.Dxd7+ Rxd7 22.Af5+ Re8 23.Ad7+ Rf8 24.Axe7# 1–0

            A partida que segue abaixo foi uma das primeiras que conheci, lá pelos meus 15 anos. Eu ia no dentista, onde ficavam à disposição várias revistas “Manchete”. Eu fazia questão de sempre olhar a revista, até que um dia levei aquela página comigo! Ela está colada em um caderno com outros muitos recortes de jornais e revistas que me ensinaram a gostar de xadrez.

(da revista Manchete)
Todos nós sabemos como é difícil jogar uma partida às cegas, mesmo contra um adversário que, em condições de igualdade seria fatalmente derrotado. Imagine, agora, o esforço necessário para se jogar contra seis tabuleiros de uma vez! A partida em questão pertence à simultânea às cegas que Paul Morphy deu em Nova Orleãs (1858) contra seis aficcionados. Uma partida que, mesmo se tivesse sido disputada normalmente, contra um único adversário, poderia figurar na antologia das inesquecíveis.
Morphy,Paul - Aficcionado [C52]
simultânea Home, 1858
1.e4 e5 2.Cf3 Cc6 3.Bc4 Bc5 4.b4 Bxb4 5.c3 Ba5 6.d4 exd4 7.0–0 dxc3 8.Ba3 d6 9.Db3 Ch6 10.Cxc3 Bxc3 11.Dxc3 0–0 12.Tad1 Cg4 13.h3 Cge5 14.Cxe5 Cxe5 15.Be2! f5 16.f4 Cc6 17.Bc4+ Rh8 18.Bb2 De7 19.Tde1 Tf6 20.exf5 Df8 21.Te8 brilhante! Início de uma combinação típica do estilo e do gênio do estilo de Morphy e de outros mestres da idade de ouro. Dxe8 22.Dxf6 De7 23.Dxg7+! Dxg7 24.f6!! Dxg2+ 25.Rxg2 1–0

BIBLIOGRAFIA
Luiz Antônio Aguiar (em A Dama das Camélias).
Revista Manchete, Valério Andrade

Vídeo da Palestra: